Muitas vezes, um problema é construído a partir da sua solução, feito pela observação de resultados de operações sobre ela, ou transformações dela, de que se não deixa rasto. Por isso, muito frequentemente, um problema não é um verdadeiro problema (desafio) para quem apresenta o seu enunciado. A resolução de problemas faz parte da essência da aprendizagem, vital para o desenvolvimento do raciocínio reconstrutivo
Quando olhamos para um problema, o mais natural é não vermos a sua solução até porque ela pode estar escondida num detalhe de que só tomamos conhecimento quando decompomos o problema em partes (quando fazemos a análise da substância do dito) e isso significa que olhamos para o problema como se ele estivesse resolvido, procurando identificar tanto os elementos nele envolvidos como as relações entre eles. Dizemos comumente que a análise tem a ver com ser natural e o sintético (enunciado da lei ou do problema) tem a ver com ser artificial.
O raciocínio analítico é fundamental para resolver problemas de construção geométrica. A generalidade dos autores, que apresentam soluções para os problemas básicos que propõem, referem-se explicitamente aos métodos analíticos e sintéticos para cada problema.
Assim faz Charles Lutwidge Dodgson - romancista, contista, fabulista, poeta, desenhador, fotógrafo, matemático e reverendo anglicano britânico, que viveu de 1832 a 1898 e lecionou matemática (lógica) em Oxford, Christ College - mais conhecido pelo seu pseudónimo Lewis Carroll.
Há um livro, em português, editado em 2008 por RBA Coleccionables, S.A. que reúne, de C.L.D. "Um conto enredado" de 1880…… e "Problemas de Almofada criados durante as horas passadas acordado" de 1893…… . Deste livro, se transcreveu um problema na "
dia-a-dia com a Matemática, Associação de Professores de Matemática, 2011/2012- Agenda do Professor" e que republicamos nesta página
Problema:
Num triângulo dado, traçar uma linha paralela à base de tal forma que
os comprimentos dos segmentos dos lados intersetados entre esta e a base sejam, somados, iguais ao comprimento da base.
São dados
\;A, \;B, \;C\;. Resolver o problema consiste em determinar, por construção, pontos
\;D\; sobre
\;AB\; e
\;E\; sobre
\;AC\;, de tal forma que
\;DE \parallel BC \wedge BC=
BD+CE\;
Considerando que, para obter a solução por construção, temos de fazer a análise do problema a partir do problema como se ele estivesse resolvido.
-
No problema resolvido temos os pontos dados \;A, \;B, \;C\; e também os pontos \;D\; sobre \;AB\; e \;E\; sobre \;AC\;, de tal forma que \;DE \parallel BC \wedge BC=
BD+CE\;
- Nas condições do problema resolvido, como \;BD=CE\;,
- a circunferência (\;B, \;BD)\; de centro em \;B\; e raio \;BD\; interseta \;AB\; em \;D\; e \;BC\; num outro ponto que designamos por \;F;
- Do mesmo modo, a circunferência (\;C, \;CE)\; de centro em \;C\; e raio \;CE\; interseta \;AC\; em \;E\; e \;BC\; no ponto \;F,\;
- já que \;BD+CE= BC= BF+FC.\;
- Por ser \;BF=BD\; no triângulo \;BFD\;, \;B\hat{D}F=B\hat{F}D\; = \; (pela Prop. 29 (Livro I, Elementos de Euclides), como \;DE \parallel BC \;) \;= F\hat{D}E.\; De forma análoga, também C\hat{E}F = F\hat{E}D\; (ângulos alternos internos)
Por ser \; B\hat{F}D\; = F\hat{D}E, \;FD\; bisseta o ângulo \;B\hat{D}E.\; E, de modo análogo, \;FE\; bisseta o ângulo \; C\hat{E}D.\;
Se o ponto \;F\;, interseção de duas bissetrizes externas do triângulo \;ADE\;, é o centro de uma das circunferências ex-inscritas desse triângulo e está sobre a bissetriz do ângulo D\hat{A}E
-
\;F\; é um ponto equidistante dos três lados \;DE, \;AD, \;AE\; que está sobre a base \;BC\; do triângulo \;ABC\;
e, assim ficamos a saber que, para resolver o nosso problema, bastaria determinar o ponto \;F\; como pé em \;BC\; da bissetriz do ângulo Â.
© geometrias, 19 de Junho de
2014, Criado com GeoGebra
Pode seguir os passos da construção (sintética) fazendo variar os valores de
\;n\; no cursor
\;\fbox{n=1, 2, ..., 6}.\;
Considerando a decomposição (análise) do problema antes feita, apresentamos, agora sinteticamente, os passos da construção.
-
Começamos por bissetar o ângulo \;C\hat{A}B\; com a reta \;AF\;, sendo \;F\; o pé da bissetriz em \;BC.\;
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Tiramos por \;F\; as perpendiculares a \;AC\; e a \;AB\;, respetivamente \;FB'\; e \;FC'\;
Como \;F\; é um ponto da bissetriz de \; C\hat{A}B,\; \;FB'=FC'.\;
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A seguir, traçamos a circunferência de centro em \;F\; que passa por \;B'\; e \;C'\;. E tiramos por \;F\; um outro raio \;FA'\; perpendicular a \;BC\;. A perpendicular a \;FA'\; que interseta \;AB\; em \;D\; e \;AC\, em \;E\; é paralela a \;BC.\;
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Os ângulos \;A',\; B',\; C'\; são retos e \;FA'=FB'=FC':\; \;FD\; é hipotenusa comum de dois triângulos retângulos iguais ( \;[C'FD] = [FA'D]\; ) e, por isso, \;FD\; é bissetriz de \;B\hat{D}E.\; De modo análogo, podemos ver que \;FE\; é bissetriz de \;C\hat{E}D.\;
- Como \;B\hat{F}D = F\hat{D}A'\; (por serem ângulos alternos internos) e \;F\hat{D}A'= F\hat{D}B\; (por \;FD\; ser bissetriz de \;BDE\;), então \;B\hat{F}D = F\hat{D}B\; e, em consequência, \;BD = BF.\;
De modo análogo, se prova que \;CE = CF.\;
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Em conclusão, \;BC=BF+FC= BD+CE,\; como queríamos.