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19.6.14

Resolver problemas de construção, usando análise e síntese (1)


Muitas vezes, um problema é construído a partir da sua solução, feito pela observação de resultados de operações sobre ela, ou transformações dela, de que se não deixa rasto. Por isso, muito frequentemente, um problema não é um verdadeiro problema (desafio) para quem apresenta o seu enunciado. A resolução de problemas faz parte da essência da aprendizagem, vital para o desenvolvimento do raciocínio reconstrutivo
Quando olhamos para um problema, o mais natural é não vermos a sua solução até porque ela pode estar escondida num detalhe de que só tomamos conhecimento quando decompomos o problema em partes (quando fazemos a análise da substância do dito) e isso significa que olhamos para o problema como se ele estivesse resolvido, procurando identificar tanto os elementos nele envolvidos como as relações entre eles. Dizemos comumente que a análise tem a ver com ser natural e o sintético (enunciado da lei ou do problema) tem a ver com ser artificial.
O raciocínio analítico é fundamental para resolver problemas de construção geométrica. A generalidade dos autores, que apresentam soluções para os problemas básicos que propõem, referem-se explicitamente aos métodos analíticos e sintéticos para cada problema.
Assim faz Charles Lutwidge Dodgson - romancista, contista, fabulista, poeta, desenhador, fotógrafo, matemático e reverendo anglicano britânico, que viveu de 1832 a 1898 e lecionou matemática (lógica) em Oxford, Christ College - mais conhecido pelo seu pseudónimo Lewis Carroll.
Há um livro, em português, editado em 2008 por RBA Coleccionables, S.A. que reúne, de C.L.D. "Um conto enredado" de 1880…… e "Problemas de Almofada criados durante as horas passadas acordado" de 1893…… . Deste livro, se transcreveu um problema na "dia-a-dia com a Matemática, Associação de Professores de Matemática, 2011/2012- Agenda do Professor" e que republicamos nesta página


Problema:     Num triângulo dado, traçar uma linha paralela à base de tal forma que os comprimentos dos segmentos dos lados intersetados entre esta e a base sejam, somados, iguais ao comprimento da base.
São dados \;A, \;B, \;C\;. Resolver o problema consiste em determinar, por construção, pontos \;D\; sobre \;AB\; e \;E\; sobre \;AC\;, de tal forma que \;DE \parallel BC \wedge BC= BD+CE\;


Considerando que, para obter a solução por construção, temos de fazer a análise do problema a partir do problema como se ele estivesse resolvido.

  1. No problema resolvido temos os pontos dados \;A, \;B, \;C\; e também os pontos \;D\; sobre \;AB\; e \;E\; sobre \;AC\;, de tal forma que \;DE \parallel BC \wedge BC= BD+CE\;
  2. Nas condições do problema resolvido, como \;BD=CE\;,
    • a circunferência (\;B, \;BD)\; de centro em \;B\; e raio \;BD\; interseta \;AB\; em \;D\; e \;BC\; num outro ponto que designamos por \;F;
    • Do mesmo modo, a circunferência (\;C, \;CE)\; de centro em \;C\; e raio \;CE\; interseta \;AC\; em \;E\; e \;BC\; no ponto \;F,\;
    • já que \;BD+CE= BC= BF+FC.\;
  3. Por ser \;BF=BD\; no triângulo \;BFD\;, \;B\hat{D}F=B\hat{F}D\; = \; (pela Prop. 29 (Livro I, Elementos de Euclides), como \;DE \parallel BC \;) \;= F\hat{D}E.\; De forma análoga, também C\hat{E}F = F\hat{E}D\; (ângulos alternos internos)
    Por ser \; B\hat{F}D\; = F\hat{D}E, \;FD\; bisseta o ângulo \;B\hat{D}E.\; E, de modo análogo, \;FE\; bisseta o ângulo \; C\hat{E}D.\;
    Se o ponto \;F\;, interseção de duas bissetrizes externas do triângulo \;ADE\;, é o centro de uma das circunferências ex-inscritas desse triângulo e está sobre a bissetriz do ângulo D\hat{A}E
  4. \;F\; é um ponto equidistante dos três lados \;DE, \;AD, \;AE\; que está sobre a base \;BC\; do triângulo \;ABC\;
    e, assim ficamos a saber que, para resolver o nosso problema, bastaria determinar o ponto \;F\; como pé em \;BC\; da bissetriz do ângulo Â.


© geometrias, 19 de Junho de 2014, Criado com GeoGebra


Pode seguir os passos da construção (sintética) fazendo variar os valores de \;n\; no cursor \;\fbox{n=1, 2, ..., 6}.\;

Considerando a decomposição (análise) do problema antes feita, apresentamos, agora sinteticamente, os passos da construção.
  1. Começamos por bissetar o ângulo \;C\hat{A}B\; com a reta \;AF\;, sendo \;F\; o pé da bissetriz em \;BC.\;
  2. Tiramos por \;F\; as perpendiculares a \;AC\; e a \;AB\;, respetivamente \;FB'\; e \;FC'\;
    Como \;F\; é um ponto da bissetriz de \; C\hat{A}B,\; \;FB'=FC'.\;
  3. A seguir, traçamos a circunferência de centro em \;F\; que passa por \;B'\; e \;C'\;. E tiramos por \;F\; um outro raio \;FA'\; perpendicular a \;BC\;. A perpendicular a \;FA'\; que interseta \;AB\; em \;D\; e \;AC\, em \;E\; é paralela a \;BC.\;
  4. Os ângulos \;A',\; B',\; C'\; são retos e \;FA'=FB'=FC':\; \;FD\; é hipotenusa comum de dois triângulos retângulos iguais ( \;[C'FD] = [FA'D]\; ) e, por isso, \;FD\; é bissetriz de \;B\hat{D}E.\; De modo análogo, podemos ver que \;FE\; é bissetriz de \;C\hat{E}D.\;
  5. Como \;B\hat{F}D = F\hat{D}A'\; (por serem ângulos alternos internos) e \;F\hat{D}A'= F\hat{D}B\; (por \;FD\; ser bissetriz de \;BDE\;), então \;B\hat{F}D = F\hat{D}B\; e, em consequência, \;BD = BF.\;
    De modo análogo, se prova que \;CE = CF.\;
  6. Em conclusão, \;BC=BF+FC= BD+CE,\; como queríamos.

12.6.14

Resolver problema de construção, usando composta de rotações (e meia volta)


Problema:    
O tesouro enterrado
Um velho pergaminho, que descrevia o local onde piratas enterraram um tesouro numa ilha deserta, dava as seguintes instruções:
Na ilha só há duas árvores, \;A\; e \;B\;, e os restos de uma forca.
Comece na forca e conte os passos necessários para ir, em linha recta, até à árvore \;A\;. Quando chegar à árvore, rode \;90^o \; para a esquerda e avance o mesmo número de passos. No ponto em que parou, coloque um marco no chão.
Volte para a forca e vá em linha recta, contando os seus passos, até à árvore \;B. Quando chegar à árvore, rode \;90^o\; para a direita e avance o mesmo número de passos, colocando outro marco no chão, no ponto em que acabar.
Cave no ponto que fica a meio caminho entre os dois marcos e encontrará o tesouro.
Um jovem aventureiro que encontrou o pergaminho com estas instruções, fretou um navio e viajou para a ilha. Não teve dificuldade em encontrar as duas árvores mas, para seu grande desgosto, a forca tinha desaparecido e o tempo tinha apagado todos os vestígios que pudessem indicar o lugar onde ficava.
Fractal music, hipercards and more, de Martin Gardner

Proposto na brochura Trigonometria e Números Complexos: matemática - 12º ano de escolaridade. Maria Cristina Loureiro... DES. Lisboa:2000 (pp. 65/66), com uma resolução usando números complexos.
Mariana Sacchetti lembrou-se deste problema que tem utilizado na lecionação dos complexos, como um exemplo de problema que poderia ser resolvido usando transformações geométricas.
É o que vamos fazer, considerando que resolver o problema é encontrar o tesouro sem termos a exata localização de vestígios da forca.

A construção a seguir ilustra a resolução do problema, no caso mostrar que, qualquer que seja a posição da forca, seguir as instruções do pergaminho, conduz a uma única posição do tesouro. Com recurso exclusivo a propriedades das transformações geométricas.
  1. São dados os pontos \;A\; e \;B\; de localização das árvores
  2. Conhecida a localização da forca, designemo-la por \,F\;, seguir as instruções seria percorrer \;FA\;, rodar sobre os calcanhares \;90^o\; para a esquerda e fazer um percurso de comprimento gual a \;FA\;, local onde se coloca um marco, designemo-lo por \;M\;: \begin{matrix} &{\cal{R}} (A, \;-90^o)&&\\ F&\longmapsto&M&\\ &&&\;\;\; \mbox{e, do mesmo modo, para o outro marco,} \;N \\ &{\cal{R}} (B, \;+90^o)&&\\ F&\longmapsto&N&\\ \end{matrix}

    © geometrias, 10 de Junho de 2014, Criado com GeoGebra


    Clique no botão \;\fbox{1}\; para seguir as instruções do pergaminho para uma localização da forca.

  3. Não conhecendo a posição exata de \;F\; tomamos um ponto qualquer, \;F_1, do chão da ilha para localização da forca. Designando por \;M_1\; e \;N_1\; as posições dos marcos a que chegamos, seguindo as instruções do pergaminho. Se \;F_1\; fosse a localização exata da forca, no ponto médio \;O\; de \;M_1N_1\; valeria a pena cavar porque estaríamos a desenterrar o tesouro.
    É altura de fazer variar a posição de \;F_1\; para observar o comportamento de \;O\;
  4. Pela rotação de \;-90^0\; em torno de \;A\;, \;M_1\; é a imagem de \;F_1\; e, em consequência, \;F_1 é imagem de \;M_1\; pela rotação de \;+90^0\; em torno de \;A\;. Podemos escrever: \begin{matrix} &{\cal{R}}(A, \;+90^o)&&{\cal{R}}(B, \;+90^o)&\\ M_1&\mapsto & F_1 & \mapsto & N_1 \\ \end{matrix} Ora, a composta de duas rotações \;{\cal{R}}(B, \;+90^o)\circ {\cal{R}}(A, \;+90^o)\; é uma rotação:
    • o ângulo de rotação da composta é a soma dos ângulos das componentes, no caso \;+90^o + 90^o =180^o
    • o centro da rotação composta de rotações é um ponto equidistante de qualquer par de elementos relacionados pela composta, no caso \;O\; : \;OM_1 = ON_1.
      De um modo geral, o centro da rotação composta determina-se como ponto de encontro das mediatrizes de dois pares de pontos por ela relacionados.
    Assim, se vê que as posições dos marcos \;M\; e \;N\; obtidas, para qualquer posição da forca \;F\; de acordo com as instruções do pergaminho, estão relacionadas por uma transformação de meia volta. E o centro de uma rotação de meia volta é invariante, não dependendo da posição da forca.
O botão \;\fbox{2}\; parte de outra localização da forca. Claro que bastará fazer variar uma posição de \;F\;.