22.6.15

Elementos: Livro XIII, Proposição 12


Até agora, temos dedicado algum do nosso tempo a estudar geometria plana (usando como instrumentos a régua e o compasso euclidianos e as construções com eles feitas que foram passando a instrumentos). Fomos optando por uma entre várias aplicações disponíveis (GSP, ZuL/CaR, Cinderella, Cabri, …) nas suas diferentes versões mais adequadas ao que íamos fazendo e às possibilidades de as usarmos em apresentações dinâmicas a distância (web; html). Recentemente decidimos pegar em problemas de construção dos Livros de "Os Elementos" que se ocupam dos sólidos, especialmente do Livro XIII e último que trata dos sólidos platónicos.
Temos vindo a experimentar (dificuldades a) fazer construções, usando o Geogebra5 (e também o Geeometry Applet , usado por David Joyce para ilustrar com construções Euclide's Elements)

Mariana Sacchetti entendeu (e bem!, em coro o dizemos) a respeito destes últimos livros, introduzir as seguintes citações:
(…) A contribuição mais importante do Livro XIII de Euclides é a demonstração que existem cinco e apenas cinco sólidos platónicos (…)
Euclides dá instruções explícitas sobre como construir cada um dos cinco sólidos platónicos- mais precisamente constrói estes sólidos platónicos dentro de esferas (…).
As provas encontradas no Livro XIII não são devidas a Euclides mas a Teeteto. Alguns investigadores afirmam mesmo que Euclides terá seguido textualmente o trabalho de Teeteto (…)
(…) Teeteto nasceu durante a Guerra do Peloponeso, morreu na batalha entre Atenas e Corinto (369 a.c.). Estudou matemática com Teodoro que afirmou"Este rapaz avança em direcção à aprendizagem e investigação de modo suave, seguro e com sucesso, numa brandura perfeita , como um fluxo de óleo que flui sem fazer ruído, de forma que ficamos maravilhados como ele consegue tudo isto com a sua idade." Foi formador na Academia de Platão durante quinze anos (…)
(…) Muitos historiadores argumentam que toda a matemática contida nos Livros X e XIII de Euclides é devida a Teeteto (…)
retiradas de
David S. Richeson: A Pérola de Euler. A fórmula dos poliedros e o nascimento da topologia, Gradiva. Lisboa:2015
Já demos exemplos suficientes para compreender como pensaram e trabalharam geometricamente as demonstrações de resultados algébricos (ou como se construiu a algebra geométrica). Nesta fase, vamos usar definições e proposições adaptadas à atualidade bem como terminologia adaptada e escrita simbólica. Para a construção de um tetraedro inscrito numa esfera de raio dado - objeto da Proposição 13 do Livro XIII, precisamos de olhar para a Proposição 12 que a precede. Proposição 12:
Se um triângulo equilátero está inscrito num círculo, então o quadrado de lado igual ao lado do triângulo é triplo do quadrado de lado igual ao raio do círculo.
Seja $\;ABC\;$ um triângulo equilátero inscrito num círculo $\;(D, \;r)\;$ de centro $\;D \;$e raio $\;r= DA=DB=DC$. Prova-se que $\;AB^2= 3r^2.$

© geometrias. 22 de junho de 2015, Criado com GeoGebra

Demonstração:
Trace-se a reta $\;AD\;$ e tome-se o ponto $\;E\;$ de interseção de $\;AD\;$ com a circunferência $\;(ABC)=(D,\; r):\; AE = 2r.\;$
Trace-se $\;BE.\;$
O arco $\;(BEC)\;$ da circunferência $\;(D,\; r)\;$ é a sua terça parte, por ser $\;ABC\;$ equilátero: $\;(ABC) =3.(BEC)\;$
O arco $\;(BE)\;$ é a sexta parte da circunferência $\;(ABC)\;$: $\;6.(BE) =(ABC)\;$
Por isso, o segmento de reta $\;BE\;$ é comprimento do lado de um hexágono inscrito em $\;(D, \;r): \;BE=r=DE.$ E como $\;AE= 2DE, \; AB^2=4DE^2=4BE^2.\;$
Mas, como se sabe, $\;AE^2= AB^2+BE^2\;$ por ser $\;DE\;$ um diâmetro de $\;(D, \;r)\;$ e, por isso, $\;ABE\;$ retângulo em $\;B$.
Concluímos que $\;AB^2+BE^2 = 4BE^2.\;$ E, finalmente, $\;AB^2= 3BE^2 =3r^2.\;$ q\;\;\;\;\;\;$ □


Notas:
  1. A razão entre o lado $\;AB\;$ de um triângulo equilátero $\;ABC\;$ e o raio $\;AD\;$ da circunferência em que se inscreve é: $\;\frac{AB}{AD}=\sqrt{3}.\;$
  2. Tome-se o ponto $\;M\;$ de interseção de $\;AE\;$ com $\;BC\;$ que é o ponto médio de $\;BC\;$ e de $\;DE.\;$ Resulta óbvio que a razão entre a altura $\;AM\;$ de um triângulo equilátero $\;ABC\;$ e o diâmetro $\;AE\;$ de uma circunferência em que se inscreve é $\; \displaystyle \frac{AM}{AE} = \frac{3}{4}.\;$


  1. David S. Richeson: A Pérola de Euler. A fórmula dos poliedros e o nascimento da topologia, Gradiva. Lisboa:2015
  2. EUCLID’S ELEMENTS OF GEOMETRY The Greek text of J.L. Heiberg (1883–1885) from Euclidis Elementa, edidit et Latine interpretatus est I.L. Heiberg, in aedibus B.G. Teubneri, 1883–1885 edited, and provided with a modern English translation, by Richard Fitzpatrick
  3. David Joyce. Euclide's Elements

6.6.15

Elementos: Determinar o centro de uma circunferência (demonstração)


Nos últimos meses, seguimos um uma sequência de proposições dos Livros I, II, II, IV. A partir de certa altura esteve presente a determinação do centro de um círculo. Inicialmente, sempre tomámos como dispensável ou não essencial a apresentação da proposição (1.3), i.e, a resolução do problema de construção do centro de uma circunferência dada. Temos sempre presente uma construção do centro distinta da construção primitiva presente n'Os Elementos. Além disso, a respetiva demonstração apresentada n'Os Elementos é um bom exemplo de um raciocínio por absurdo se tivermos em atenção à época de Euclides.
Neste "lugar geométrico" foram apresentados muitos problemas de construção do centro, mas nunca nos debruçámos sobre a proposição (1.3). No último número (132) da revista Educação e Matemática (da APM) publica-se um pequeno artigo "O centro desaparecido de uma circunferência" de José Luiz Pastore Mello, que acaba com a frase "Em tempos que o desenho geométrico tem sido tão pouco explorado na escola, o problema apresentado costuma mobilizar intensamente o interesse dos alunos". O problema por ele apresentado é o da "determinação do centro da circunferência usando tão só o compasso euclidiano."
Achamos que esse problema e o teorema de Mohr-Mascheroni pode ser mobilizador do interesse de muitos jovens. Mas não resistimos a chamar a atenção para a construção e respetiva demonstração elementar de Euclides que é mais um "bom" exemplo de construção/demonstração e da genialidade da escola de Euclides.

LIVRO III: PROP. I. PROB.
Achar o centro em um círculo $\;c\;$ dado.



A construção do centro pode ser acompanhada fazendo variar de 0 a 3 o cursor n. Para a demonstração basta reter as condições da construção do centro. Para n=4 acrescentamos alguns elementos necessários para a demonstração.

$\fbox{n=0}\;$ Dada a circunferência $\;c\;$
A construção consiste em:
$\fbox{n=1}\;$ aplicação do Postulado 1 para tomar uma reta que corte a circunferência dada e assinalar os dois pontos $\;A, \;B\;$ de intersecção;
$\fbox{n=2 }\;$ aplicação de (10.1) para dividir $\;AB\;$ ao meio por $\;D$:
$$\;(A, AB).(B, BA) = \{I_1, \; I_2\}\;$$ $$\;I_1 I_2 . AB = \{D \}$$ $$\;I_1 I_2 . c = \{C, \;E \}$$
$\fbox{n=3}\;$ aplicação de (1011) para achar o ponto $\;F\;$ médio de $\;CE:\;$ $$\;(C, \;CE).(E, EC) = \{\; J_1, \; J_2\;\}$$ $$\;J_1J_2. CE = \{\;F\;\}$$ Este ponto $\;F\;$ é o centro da circunferência, como vamos provar.


© geometrias. 5 de Junho de 2015, Criado com GeoGebra



$\fbox{n=4}\;$ Suponhamos que $\;F\;$ não é o centro procurado e seja o centro do círculo $\;c=(ABC)\;$ um outro ponto $\;G.\;$ Tiremos as retas $\;GA, \;GD, \; GB. \;$
Sendo $\;DA=DB\;$ e $\;DG\;$ comum aos triângulos $\;ADG,\; BGD\;$. Sendo $\;G\;$ o centro da circunferência $\;c,\;$ $\;GA=GB,\; $ por serem ambos raios da mesma circunferência. Por terem dois lados iguais cada um a cada um e um terceiro comum, por (8.1) os ângulos compreendidos entre lados iguais são iguais: $\;\angle A\hat{D}G = \angle G\hat{D}B. \;$ Quando uma reta caindo sobre outra, faz com ela ângulos adjacentes iguais entre si, cada um destes ângulos é reto (Def. 10.1), logo $\;\angle G\hat{D}B\;$ é reto. Mas, por construção, também $\;F\hat{D}B\;$ é reto. Logo $\angle F\hat{D}B= \angle G{D}B,\;$ um ângulo maior é igual a um menor, o que não pode ser. Assim o ponto $\;G\;$ não é o centro do círculo $\;c=(ABC). \;$ O mesmo se pode demonstrar de outro ponto qualquer que não seja $\;F\;$. Logo, o ponto $\;F\;$ é o centro do círculo $\;(ABC).\;$ □


COROL. Disto se segue que, se dentro de um círculo, uma linha reta cortar outra em duas partes iguais e perpendicularmente, o centro do círculo deve estar na primeira linha que corta a outra.
Livro I
POSTULADO I
Pede-se, como cousa possível, que se tire de um ponto qualquer para outro qualquer ponto uma linha reta.
POST III
E que com qualquer centro e qualquer intervalo se descreva um círculo.
AXIOMA I.
As cousas que são iguais a uma terceira, são iguais entre si
AXIOMA II.
Se a coisas iguais se juntarem outras iguais, os todos serão iguais
AXIOMA III.
E se de cousas iguais se retirarem outras iguais, os restos serão iguais
DEFINIÇÃO X.
Quando uma linha reta caindo sobre outra linha reta fizer com esta dois ângulos iguais, um de uma e outro de outra parte, cada um destes ângulos iguais se chama ângulo reto e a linha incidente se diz perpendicular à outra linha sobre a qual cai.
DEFINIÇÃO XV.
Círculo é uma figura plana fecha por uma só linha, a qual se chama cirucuferência, de maneira que todas as linhas retas que de um certo ponto, existente no meio da figura, se conduzem para a circunferência, são iguais entre si.
DEFINIÇÃO XVI.
O dito ponto se chama centro do círculo.
PROP. VIII. TEOR.
Se dois triângulos tiverem dois lados iguais a dois lados, cada um a cada um, e as bases também iguais, os ângulos compreendidos pelos lados iguais serão também iguais. PROP. X. PROB.
Dividir em duas partes iguais uma linha reta de um comprimento dado.
PROP. XI. PROB.
De um ponto dado em uma linha reta dada levantar uma perpendicular sobre a mesma reta dada


  1. Euclides. Elementos de Geometria dos seis primeiros livros do undécimo e duodécimo da versão latina de Frederico Commandino , Adicionados e Ilustrados por ROBERTO SIMSON, Prof de Matemática na Academia de Glasgow. Revistos para Edições Cultura por ANÍBAL FARO. Edições Cultura. São Paulo (BR): 1944