14.12.12

Razão simples de 3 pontos. Abcissa baricêntrica.

Em muitas entradas ao longo dos anos abordámos problemas com razões de segmentos e coordenadas. Do estudo de geometria projetiva que nos ocupou nos últimos meses, nas entradas de Julho de 2012, estudámos as razões cruzadas, os cálculos com abcissas ilustrando as relações entre as construções euclideanas e projetivas, a invariância de razões pelas transformações projetivas; pontos e retas do infinito. São elas: Servimo-nos de abcissas na reta orientada (confundindo pontos com as suas abcissas e tomando pontos para representar a origem ou a abcissa 0, e pontos da reta para representar pontos no inifinito, etc) e/ou distâncias... Não nos referimos propriamente a coordenadas (para além das abcissas primordiais em que a cada ponto fazíamos corresponder um só número real).
Nesta entrada, voltamos aos pontos da reta orientada para, de outro modo, associar pontos a números (suas coordenadas na reta) e dar novos sentidos ao que chamamos pontos no infinito.
Comecemos por tomar uma reta r e consideremos o sentido da esquerda para a direita (como se mostra na figura com a seta a verde +) e sobre ela três pontos A, B, P. Pensemos nas diferenças A-B=BA (abcissa de A subtraída da abcissa de B num mesmo referencial qualquer de r) e B-A=AB. Claro que, nessas condições,
  1. quando escrevemos A-B estamos a pensar num número positivo quando A está à direita de B e num número negativo quando A está à esquerda de B
  2. BA+AB=(A-B)+(B-A)=(B-A)+(A-B)=AB+BA=0.
Se tivermos três pontos A, B, C podemos considerar várias diferenças. A-B, B-A, A-C, C-A, B-C e C-B.
E toma sentido pensar em razões entre as diferenças umas mais interessantes que outras
(A-B)/(B-A)=(A-C)/(C-A)=(B-C)/(C-B)=-1 ou, por exemplo,
(A-B)/(A-C), (B-A)/(B-C) ou (C-A)/(C-B) que designamos por
razões simples de 3 pontos e representamos por (ABC), (BAC) ou (CAB) respetivamente. Na construção a seguir, temos uma reta r, um sentido + e três pontos A, B, P sobre r.
E, supondo A e B fixos, debruçamo-nos sobre a razão (PAB) simples dos 3 pontos a que chamamos λ, (P-A)/(P-B). A abrir λ=2 com um significado bem preciso: PA=2.PB.
O que se recomenda é que verifique como variam os valores de λ quando variam as posições de P.

Pode deslocar A e B sobre r.
Pode deslocar P manualmente (ou usando o controlador da animação).

Mantendo as posições de A e B, verá que
  • para cada posição de P há um só valor de λ associado;
  • λ toma valores negativos quando P está situado entre A e B já que (P-A) e (P-B) têm sinais contrários;
  • λ toma valores positivos quando P não está entre A e B, já que (P-A) e (P-B) têm o mesmo sinal;
  • λ toma o valor 0 só quando P toma a posição de A já que P-A=0 e, em valor absoluto será tão grande quanto queira (±∞), só quando P se aproxima da posição de B (até P-B=0);
  • |λ|=1 quando P toma uma posição a igual distância de A e de B e |λ|<1 ou |λ|>1 conforme P está à esquerda ou direita dessa posição.
Quando P percorre o intervalo entre A e B, λ toma todos os valores negativos de 0 a -∞. Por fora do intervalo limitado A a B, às posições de P correspondem todos os números positivos de +∞ a 0 ou de 0 a +∞ para λ. λ=-1 quando PA=-PB ; λ=1 quando PA=PB (fora do intervalo) que é o ponto impróprio da reta r. Dados A e B, tem sentido falarmos de λ=(PAB) como coordenada ou abcissa de P. Não tem?
Izquierdo Asensi chama-lhe abcissa baricêntrica, sendo A e B os pontos fundamentais de referência, por ser 0 e ∞ os valores das suas respetivas abcissas baricêntricas.
Se P se afasta infinitamente pela direita ou pela esquerda, a abcissa baricêntrica tomará um valor λ=(PAB)=+1 para uma única posição de P. Fica assim lustrado que uma reta não tem mais que um ponto impróprio (ou um ponto no infinito)

Tem interesse lembrar que
(PBA)=(P-B)/(P-A)= 1:[(P-A)/(P-B)] = (PBA)-1

Richter-Gebert. Perpsectives on Projective Geometry. Springer. Berlin:2011
F. I. Asensi, Geometria Desscriptiva Superior y Aplicada. Editorial Dosssat, S.A. Madrid:1980
H. S. M. Coxeter, Projective Geometry, Springer. NY:1994
C.F. Klein, Elementary Mathematics from an advanced standpoint - Geometry Dover Publications, inc. New York:2004

8.12.12

Cónica, quadrilátero circunscrito e triângulo auto-polar

Na entrada Uma polaridade, uma cónica fixámos o seguinte: Ao lugar geométrico dos pontos auto-conjugados numa dada polaridade chamamos cónica. E às polares dos pontos auto-conjugados chamaremos tangentes à cónica. Fica assim estabelecida uma definição de cónica como figura auto-dual: lugar geométrico dos pontos auto-conjugados de uma polaridade e envolvente das retas auto-conjugadas.
Na entrada Construção de uma polaridade (cónica) com um triângulo auto-polar e um ponto auto-conjugado construímos uma polaridade (ABC)(Pp) em que ABC é um triângulo autopolar e P é um ponto autoconjugado (P inicide na sua polar p; p inicide no seu polo P)
Na entrada Da cónica para a polaridade associada retomámos o resultado já antecipado se os vértices de um quadrângulo PQRS completo forem pontos auto-conjugados para uma dada polaridade, então o triãngulo diagonal ABC do quadrângulo é um triângulo auto-polar para concluirmos que é auto-polar o triângulo diagonal ABC de um quadrângulo qualquer PQRS de vértices incidentes numa cónica .
Embora tenhamos tido sempre presente que uma cónica é a envolvente da retas autoconjugadas para uma dada polaridade, nunca nos preocupámos em definir o triângulo auto-polar para o quadrângulo circunscrito. Bastou-nos mostrar que é auto-polar o triângulo diagonal de um qualquer quadrângulo completo de vértices autoconjugados (pontos da cónica) (quadrivértice inscrito na cónica) para continuar o estudo.
No seu livro "Geometria Descriptiva Superior y Aplicada", sob o título Cuadrivértice y cuadrlátero inscrito y circunscrito a una cónica Fernando Izquierdo Asensi trata de dois enunciados:
  1. En todo cuadrivértice inscrito a una cónica, su triángulo diagonal es autopolar respecto a la cónica
  2. En todo cuadrilátero circunscrito a una cónica, los puntos de intersección de sus diagonales y de los pares de lados opuestos son vértices de un triángulo autopolar respecto a la cónica.
E é por isso que decidimos voltar a abordar a polaridade induzida por cada cónica.
A respeito de quadrângulos, lembramos a entrada Para escrever sobre quadriláteros (completos) em que esclarecíamos as noções de quandrângulos completos onde se pode ler:
  1. o conjunto formado por quatro pontos {A,B,C,D}, dos quais não há 3 colineares, (vértices) e pelas 6 retas {AB,AC,AD,BC,BD,CD} definidas pelos pares de pontos existentes, a que chamamos lados. Dois lados consideram-se opostos quando se intersetam em pontos que não A, B, C, D, ou seja, em pontos que não são vértices, no caso, E,F,G. Esses 3 pontos tomam o nome de pontos diagonais
  2. o conjunto formado pelas quatro retas {a,b,c,d}, das quais não há 3 incidentes num ponto,(lados) e pelos 6 pontos {a.b,a.c,a.d,b.c,b.d,c.d} definidos pelos 6 pares de retas existentes a que chamamos vértices. Dois vértices consideram-se opostos quando definem uma reta que não é qualquer dos 4 lados a,b,c ou d, a saber, a.d e b.c, a.c e b.d, a.b e c.d. As retas definidas por vértices opostos chamam-se retas diagonais, no caso, e,f,g.
A construção do quadrângulo completo inscrito na cónica para definir a polaridade associada já foi abordada repetidas vezes.
Vamos apresentar a construção do quadrângulo completo circunscrito à cónica e respetivo triângulo auto-polar.
Na construção que se segue, temos quatro retas t, u, v, w tangentes à cónica respetivamente em T, U, V, W (que é o mesmo que dizer que T é o polo de t ou que t é a polar de T, etc ). Essas quatro retas autoconjugadas intersetam-se duas a duas em P=u.v, Q=t.w, R=v.w e S=t.u; A=u.w, B=t.v e C=PQ.RS (vértices). O quadrilátero completo considera ainda as retas definidas pelas interseções pelos pares de pontos de intersecção de lados opostos, a saber a=BC, b=AC e c=AB que se chamam retas diagonais e formam o triângulo diagonal.
Para este triângulo ABC ser auto-polar foi preciso garantir que TV.UW=PQ.RS=C, já que B está sobre a polar de V também b (polar de B) tem de passar por V, etc Na figura, ainda indicamos a polar de P=u.v que é p=UV, Q=t.w que é q=TW, de S=t.u que é s=TU, de R=v.w que é r=VW.

Poderá deslocar os pontos T e U sobre a cónica e B so.bre t

Para esta construção do triângulo autopolar de um quadrilátero em que os 4 lados são tangentes de uma cónica, começamos por tomar as tangentes t, u nos pontos T e U. Por um ponto B de t tirámos a tangente v à cónica. E a tangente w no segundo ponto de intersecção da reta BU com a cónica. Marcámos A=u.w, P=u.v, Q=t.w, R=v.w e S=t.u
Do feixe centrado em B, a e c são conjugadas harmónicas de t e v e como estas últimas são retas duplas (tangentes) a e c são conjugadas para a polaridade. O mesmo acontece com o feixe centrado em A, b e c são conjugadas harmónicas com u e w que são retas duplas (tangentes). São conjugadas as retas a com c e b com c. Os lados do triângulo abc são conjugados dois a dois, o que é o mesmo que dizer que cada vértice é polo do lado oposto: A=b.c é polo de a=BC, B=a.c é polo de b=BC e C=a.b é polo de c=AB. Das quatro retas a, c, v, t do feixe centrado em B, os seus polos A, C, V e T terão de pertencer à polar de B, b, isto é, AC=TV. De modo análogo, se verifica que BW=UW.
F. I. Asensi, Geometria Desscriptiva Superior y Aplicada. Editorial Dosssat, S.A. Madrid:1980
H. S. M. Coxeter, Projective Geometry, Springer. NY:1994