26.6.15

Livro XIII: Construção de um tetraedro inscrito numa esfera.



Proposição 13:
Construir uma pirâmide regular (ou tetraedro), inscrevê-la numa dada esfera e mostrar que o quadrado do diâmetro da esfera é uma vez e meia o quadrado do lado (aresta) da pirâmide.
Passos da construção:
  1. Tomámos um segmento $\;AB\;$ para eixo de um semicírculo gerador da esfera (ou igual a ele) No nosso caso, tomámos mesmo um segmento que é o eixo da esfera gerada pelo semicírculo $\;(ADB)\;$
  2. Determinámos um ponto $\;C \;$ de $\;AB\;$ tal que $\;AC=2.CB\;$ (Prop. 9 Livro VI (9.6))
  3. Assinalámos $\;D\;$ na interseção da perpendicular a $\;AB\;$ tirada por $\;C\;$ com o semicírculo de diâmetro $\;AB \;$. Traçámos o segmento de reta $\;AD\;$
  4. Tomámos um círculo $\;EFG\;$ de raio iguala $\;DC\;$ e tal que $\;HK\;$ é perpendicular a $\; AB \; $ tirada pelo centro $\;O\;$ do semicírculo $\;ADB\;$ e $\;HK= AC\;$ (de um modo mais geral só é preciso que $\;HK\;$ seja perpendicular ao plano do círculo $\;(EFG)\;$
  5. No caso da nossa construção, tomámos um ponto $\;E\;$ genérico da circunferência $\;(H, \;DC)\;$ que, por isso, pode mover-se sobre ela em que inscrevemos um triângulo equilátero determinámos $\;EFG\;$ tais que $\;EF = EG = FG\;$
  6. Finalmente, traçamos os 6 segmentos $\;FE, \;EG, \;FG, \;KE, \;KF, \;KG\;$ que são certamente arestas de uma pirâmide triangular cujas faces são os 4 triângulos $\;EFG, \;KEF, \;KEG, \; KFG\;$
Será a pirâmide assim construída um tetraedro com os 4 vértices $\;K, \;E, \;F, G\;$ incidentes na superfície esférica gerada por uma semicírcunferência de diâmetro $\;AB?\;$ Falta demonstrar que é! E demonstrar que $\;AB^2 = \displaystyle \frac{3}{2}.AD^2.\;$

© geometrias. 23 de junho de 2015, Criado com GeoGebra

Demonstração:
  1. Da construção, sabemos que
    1. sendo $\;AC=2CB \; \text{e}\; AB=AC+CB, \; \text{então}\; AB=3CB\;$
    2. o ângulo $\;ADB\;$ é um reto por estar inscrito num semicírculo, ou seja, o triângulo $\;ABC\;$ é retângulo em $\;D\;$
    3. sendo $\;CD\;$ é altura relativa à hipotenusa $\;AB\;$ do triângulo retângulo $\;ADB\;$ de catetos $\;AD\;$ e $\;DB\;$. O triângulo $\;ABC\;$ tem os ângulos iguais cada um a cada um, a cada um dos triângulos em que está dividido por $\;CD,\;$ a saber : $\;ACD,\;DCB \;$.
    Por ser $\;ABD \sim DAC, \; \;\;\displaystyle \frac{AB}{AD}= \frac{DA}{AC}, \;$ ou seja, verifica-se que $\;\; AD^2=AB\times BC$
    Por construção $\; \displaystyle \frac{AB}{BC} = 3 \;$ que nos permite dizer que $\; \displaystyle \frac{AB\times BC}{BC\times BC} = \frac{AD^2}{BC^2} =3\;$ ou que $\;AD^2= 3 \times BC^2 .$
    (Note que estes resultados aparecem n'Os Elementos demonstrados geometricamente com recurso a figuras e operações como as de remover ou juntar (sem sobreposição) e retirar figuras congruentes ou iguais em área para obter novas figuras. É um bom exercício reconstruir esse processo, especialmente para os que parecem imediatos, vistos algebricamente, como é o último destes.)
  2. A pirâmide triangular construída é regular:
    1. Por construção, o raio da circunferência $\;(EFG)\;$ centrada em $\;H\;$ é igual a $\;CD, \;$ ou seja $\;CD=KE=KF=KG.\;$ e o triângulo $\;EFG\;$ é equilátero.
      Pela proposição 12, estudada no artigo anterior, garantimos que o quadrado de lado igual ao de um triângulo equilátero é triplo do quadrado do raio da circunferência em que se inscreve: No nosso caso, podemos escrever que $\;EF^2= 3\times KE^2 = 3 \times CD^2$.
      Fica assim claro que, $\;EF^2 = AD^2\;$ por serem ambos iguais a $\;3 \times CD^2\;$ e, finalmente, podemos dizer que $\;EF=AD\;$.
      A base $\;EFG\;$ da pirâmide construída é um triângulo equilátero de lado igual a $\;AD\;$
    2. Por construção, $\;HK\;$ é tomada sobre a perpendicular ao plano de $\;(EFG)\;$ e, por isso é perpendicular a todas as retas desse plano que incidam em $\;H\;$, ou seja: os triângulos $\;KEH, \; KFH,\; KGH\,$ são triângulos retângulos em $\;H\;$, sendo os seus catetos, por construção, iguais a $\;CD=KE\;$ e a $\;AC\;$
      Por isso, $\;KE^2 =KF^2=KG^2 = AC^2+ CD^2= AD^2$. Ou seja, os lados $\;KE,\;KF, \;KG\,$ destes triângulos retângulos são iguais $AD$ e iguais aos $\;EF, \;EG, \;FG\;$, para concluirmos que os triângulos $\;KEF, \;KFG, \;KGE,\; EFG\;$ são triângulos equiláteros de lados iguais a $\;AD\;$
    A pirâmide construída tem as seis arestas iguais e as quatro faces triângulares iguais entre si, equiláteras e equiangulares.
  3. Falta agora provar que os vértices da pirâmide construída incidem numa superfície esférica igual à de diâmetro $\;AB\;$.
    Por construção $\;HK=AC=2BC.\;$ Tome-se $\;L\;$ colinear com $\;H, \;K\;$ e tal que $\;HL=BC:\;$ Assim $\;KL=AB=AC+BC=3BC.\;$
    Assim como $\; \displaystyle \frac{AC}{CD} = \frac{CD}{CB} , \;$ também $\;\displaystyle \frac{KH}{HE} = \frac{HE}{HL},\;$ já que $\;HK=AC, \; HE=CD, \; HL=CB \,$ e $\;KH\times HL=HE^2,\;$ para além de cada um dos ângulos $\;K\hat{H}E, E\hat{H}L\;$ ser reto, ficando garantido que o semicírculo de diâmetro $\;KL\;$ passa por $\;E\;$. Se considerarmos fixado o diâmetro $\;KL,\;$ no movimento volta inteira do semicírculo em torno de $\;KL\;$, o semicírculo passará pelos pontos $\;F,\;G\;$ já que $\;FL\;$ e $\;LG\;$ acompanham o movimento rigidamente e os ângulos em $\;F \;$ e em $\;G\;$ se tornam retos e a pirâmide é compreendida pela esfera dada já que para $\;KL, \;$ o diâmetro da esfera é igual ao diâmetro $\;AB\;$ da esfera dada e $\;KH\;$ foi construído igual a $\;AC \;$ e $\;HL\;$ igual a $\;CB.\;$
  4. Só nos falta provar que o quadrado do diâmetro da esfera é igual a uma vez e meia o quadrado do lado da pirâmide.
    Como $\;AC=2\times CB, \;\;\; AB= 3 \times CB\;$ e $\;\displaystyle \frac{AB}{AC} = \frac{3}{2}\;$ ou $\; AB=1,5 \times AC.\;$
    Ao mesmo tempo, $\; \displaystyle \frac{BA}{AC} =\frac{BA^2}{AD^2}\;$. Portanto $$\; \displaystyle \frac{BA^2}{AD^2} = \frac{3}{2}\;$$ ficando assim provado que o quadrado sobre o diâmetro $\;AB\;$ da esfera é uma vez e meia o quadrado sobre a aresta $\;AD.\;$ □


  1. EUCLID’S ELEMENTS OF GEOMETRY The Greek text of J.L. Heiberg (1883–1885) from Euclidis Elementa, edidit et Latine interpretatus est I.L. Heiberg, in aedibus B.G. Teubneri, 1883–1885 edited, and provided with a modern English translation, by Richard Fitzpatrick
  2. David Joyce. Euclide's Elements

22.6.15

Elementos: Livro XIII, Proposição 12


Até agora, temos dedicado algum do nosso tempo a estudar geometria plana (usando como instrumentos a régua e o compasso euclidianos e as construções com eles feitas que foram passando a instrumentos). Fomos optando por uma entre várias aplicações disponíveis (GSP, ZuL/CaR, Cinderella, Cabri, …) nas suas diferentes versões mais adequadas ao que íamos fazendo e às possibilidades de as usarmos em apresentações dinâmicas a distância (web; html). Recentemente decidimos pegar em problemas de construção dos Livros de "Os Elementos" que se ocupam dos sólidos, especialmente do Livro XIII e último que trata dos sólidos platónicos.
Temos vindo a experimentar (dificuldades a) fazer construções, usando o Geogebra5 (e também o Geeometry Applet , usado por David Joyce para ilustrar com construções Euclide's Elements)

Mariana Sacchetti entendeu (e bem!, em coro o dizemos) a respeito destes últimos livros, introduzir as seguintes citações:
(…) A contribuição mais importante do Livro XIII de Euclides é a demonstração que existem cinco e apenas cinco sólidos platónicos (…)
Euclides dá instruções explícitas sobre como construir cada um dos cinco sólidos platónicos- mais precisamente constrói estes sólidos platónicos dentro de esferas (…).
As provas encontradas no Livro XIII não são devidas a Euclides mas a Teeteto. Alguns investigadores afirmam mesmo que Euclides terá seguido textualmente o trabalho de Teeteto (…)
(…) Teeteto nasceu durante a Guerra do Peloponeso, morreu na batalha entre Atenas e Corinto (369 a.c.). Estudou matemática com Teodoro que afirmou"Este rapaz avança em direcção à aprendizagem e investigação de modo suave, seguro e com sucesso, numa brandura perfeita , como um fluxo de óleo que flui sem fazer ruído, de forma que ficamos maravilhados como ele consegue tudo isto com a sua idade." Foi formador na Academia de Platão durante quinze anos (…)
(…) Muitos historiadores argumentam que toda a matemática contida nos Livros X e XIII de Euclides é devida a Teeteto (…)
retiradas de
David S. Richeson: A Pérola de Euler. A fórmula dos poliedros e o nascimento da topologia, Gradiva. Lisboa:2015
Já demos exemplos suficientes para compreender como pensaram e trabalharam geometricamente as demonstrações de resultados algébricos (ou como se construiu a algebra geométrica). Nesta fase, vamos usar definições e proposições adaptadas à atualidade bem como terminologia adaptada e escrita simbólica. Para a construção de um tetraedro inscrito numa esfera de raio dado - objeto da Proposição 13 do Livro XIII, precisamos de olhar para a Proposição 12 que a precede. Proposição 12:
Se um triângulo equilátero está inscrito num círculo, então o quadrado de lado igual ao lado do triângulo é triplo do quadrado de lado igual ao raio do círculo.
Seja $\;ABC\;$ um triângulo equilátero inscrito num círculo $\;(D, \;r)\;$ de centro $\;D \;$e raio $\;r= DA=DB=DC$. Prova-se que $\;AB^2= 3r^2.$

© geometrias. 22 de junho de 2015, Criado com GeoGebra

Demonstração:
Trace-se a reta $\;AD\;$ e tome-se o ponto $\;E\;$ de interseção de $\;AD\;$ com a circunferência $\;(ABC)=(D,\; r):\; AE = 2r.\;$
Trace-se $\;BE.\;$
O arco $\;(BEC)\;$ da circunferência $\;(D,\; r)\;$ é a sua terça parte, por ser $\;ABC\;$ equilátero: $\;(ABC) =3.(BEC)\;$
O arco $\;(BE)\;$ é a sexta parte da circunferência $\;(ABC)\;$: $\;6.(BE) =(ABC)\;$
Por isso, o segmento de reta $\;BE\;$ é comprimento do lado de um hexágono inscrito em $\;(D, \;r): \;BE=r=DE.$ E como $\;AE= 2DE, \; AB^2=4DE^2=4BE^2.\;$
Mas, como se sabe, $\;AE^2= AB^2+BE^2\;$ por ser $\;DE\;$ um diâmetro de $\;(D, \;r)\;$ e, por isso, $\;ABE\;$ retângulo em $\;B$.
Concluímos que $\;AB^2+BE^2 = 4BE^2.\;$ E, finalmente, $\;AB^2= 3BE^2 =3r^2.\;$ q\;\;\;\;\;\;$ □


Notas:
  1. A razão entre o lado $\;AB\;$ de um triângulo equilátero $\;ABC\;$ e o raio $\;AD\;$ da circunferência em que se inscreve é: $\;\frac{AB}{AD}=\sqrt{3}.\;$
  2. Tome-se o ponto $\;M\;$ de interseção de $\;AE\;$ com $\;BC\;$ que é o ponto médio de $\;BC\;$ e de $\;DE.\;$ Resulta óbvio que a razão entre a altura $\;AM\;$ de um triângulo equilátero $\;ABC\;$ e o diâmetro $\;AE\;$ de uma circunferência em que se inscreve é $\; \displaystyle \frac{AM}{AE} = \frac{3}{4}.\;$


  1. David S. Richeson: A Pérola de Euler. A fórmula dos poliedros e o nascimento da topologia, Gradiva. Lisboa:2015
  2. EUCLID’S ELEMENTS OF GEOMETRY The Greek text of J.L. Heiberg (1883–1885) from Euclidis Elementa, edidit et Latine interpretatus est I.L. Heiberg, in aedibus B.G. Teubneri, 1883–1885 edited, and provided with a modern English translation, by Richard Fitzpatrick
  3. David Joyce. Euclide's Elements